O debate em torno de uma publicação no Twitter do apresentador da BBC, Gary Lineker, serve como alerta para uma questão que ganhou novas dimensões com a explosão das mídias sociais: opiniões privadas que se tornam públicas.
Lineker se posicionou no Twitter em relação à proposta de política imigratória do Reino Unido. O tweet gerou enorme pressão sobre a BBC, emissora que nutre uma imagem de imparcialidade de seus colaboradores na produção de informação. Para os críticos, a opinião emitida pelo apresentador coloca em xeque a imparcialidade da emissora. Lineker apresenta o programa Match of the Day, dedicado ao futebol e, como todos os colaboradores da BBC, tem um contrato com a emissora que inclui cláusulas sobre a manifestação em redes sociais. Porém, alguns contratos, como os assinados por jornalistas, são mais rígidos, e outros como o do apresentador não tem as mesmas restrições. Lineker se recusou a fazer uma retratação e a BBC suspendeu o apresentador, o que trouxe mais problemas à emissora, com personalidades recusando-se a participar do programa.
O caso mostra a dificuldade que os chamados veículos tradicionais de imprensa enfrentam para se adequar à mudança que aconteceu na comunicação nos últimos anos. Antes os papeis dentro de uma empresa jornalística eram bem definidos, com contratos padronizados, exceção para as colunas de opinião. Atualmente os limites tornaram-se tão vagos que o debate gira em torno de diferenciar um jornalista de um cidadão que por passatempo faz o mesmo trabalho de um jornalista.
Antes de a internet e os celulares fornecerem a todos as ferramentas para distribuir informação em alta velocidade era mais fácil manter opiniões em um status privado. Somente por descuido suas opiniões poderiam ser capturadas por microfones ou câmeras. E ainda assim o ritmo de divulgação era lento e com abrangência limitada. O microfone aberto sempre foi um risco. Temos alguns exemplos históricos como o do presidente dos EUA, Joe Biden.
Atualmente é como se vivêssemos em uma sociedade em que o microfone aberto é uma constante. Clay Shirky analisa essa mudança entre o público e privado em seu livro Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem organizações, publicado em 2012 no Brasil e que continua atual. No livro ele lista três tipos de comunicação: a comunicação de um para um, de um para muitos e de muitos para muitos.
A comunicação de um para um ocorre em uma conversa mais reservada, por telefone ou pessoalmente. As opiniões expressas na comunicação de um para um ficavam entre as pessoas que participavam da conversa. A comunicação de um para muitos é o padrão das empresas de comunicação. Por exemplo, uma emissora de TV comunicando para muitas pessoas. Ao participar de uma comunicação de um para muitos, como conceder uma entrevista, há todo um cuidado sobre o que falar. A novidade, conforme explica Shirky, é a comunicação de muitos para muitos, em que todos podem rapidamente expressar suas opiniões para muitos. O erro é tratar essa comunicação como a conversa por telefone e não a entrevista para a TV. Sua opinião privada, que você antigamente só compartilharia com seu melhor amigo, torna-se pública em instantes.
Dessa forma, a separação entre o público e privado é um desafio não só para empresas de comunicação, mas para qualquer empresa ou profissional. A opinião de um colaborador, seja compatível ou não com a da empresa, pode ganhar espaço nas mídias sociais. Então temos a facilidade na comunicação somada à dificuldade de separar vidas públicas de vidas privadas. E acrescentamos ainda outra característica da sociedade atual que é a necessidade de expor opiniões e ser ouvido não só por seu amigo próximo e sim por grandes audiências. Esses fatores são a base para situações que podem variar de um comportamento que viraliza pelo ineditismo, uma gafe, uma conduta que exija uma retratação ou até o início de uma grave crise.
Somente para citar um exemplo vale relembrar a exoneração do chefe da comunicação da Polícia Civil no Distrito Federal. A exoneração ocorreu após ele expressar sua opinião pessoal em um grupo de WhatsApp que servia como canal de comunicação entre a Polícia Civil e os jornalistas.
Essa confusão nos limites do profissional e da opinião pessoal deve ser um dos principais assuntos quando se oferece um media training para colaboradores. O comportamento nas mídias sociais também deve estar no foco da equipe de comunicação interna. Fornecer um canal de comunicação de fácil acesso e acolhedor aos colaboradores é essencial para que as críticas à empresa sejam resolvidas internamente e não viralizem nas mídias sociais.
Auxiliar os colaboradores a lidarem com as novas tecnologias é um trabalho fundamental para a comunicação e o setor de RH. Sempre levando em conta que dentro de uma organização temos colaboradores com diferentes graus de contato com essas tecnologias. Cenário que foi agravado com a pandemia. As reuniões virtuais e o home office são a base para comportamentos inadequados gerados a partir da falta de familiaridade com as novas tecnologias e a perda total de limites entre seu trabalho e sua casa. E assim são muitos os vídeos que viralizam de pessoas expressando seus pensamentos sem notar microfones abertos e cenas de nudez sem observar câmeras ligadas.
Tanto nas áreas de comunicação quanto de recursos humanos temos muito trabalho pela frente para adequar comportamentos à atual tecnologia e ao que ainda está por vir.
Ter um bom relacionamento com a imprensa e uma
presença positiva nas mídias sociais ajuda a evitar crises.